A cidade de Petrópolis completava quatro anos de fundação quando o Quilombo da Tapera surgiu em meio a luta dos escravizados alforriados que viviam na fazenda Santo Antônio. Dona Sebastiana Augusta da Silva Correia foi a matriarca fundadora do quilombo, que nasceu em 1847, e recebeu as terras de seu antigo senhor, Agostinho Corrêa da Silva Goulão. Sebastiana foi ama da fazenda, recebeu o nome que possuía de Agostinho, viveu 120 anos, era rezadeira e conhecedora de ervas medicinais. O Tapera era povoado por negros africanos puros e atualmente seus descendentes mantêm a história e os conhecimentos vivos.
Apesar do êxito na criação da comunidade, o caminho até o feito foi árduo, os descendentes tiveram que resistir para manter e preservar o território. As terras que tinham sido doadas pelo fazendeiro Agostinho Corrêa Goulão à Sebastiana e os outros escravos, acabaram sendo vendidas para outro proprietário. Um dia após a morte de Agostinho, seus dois sobrinhos procederam a abertura do inventário e a leitura de seu testamento, e quatro anos depois venderam a fazenda a Irineu Evangelista de Souza, conhecido como Barão de Mauá. Após um tempo, a fazenda foi arrendada pelo Comendador Francisco José Fialho que a adquiriu do Banco do Brasil após Irineu ir à falência.
Durante as transmissões de posse, os negros descendentes permaneceram em suas terras, exercendo sua moradia sem serem incomodados pelos protagonistas das negociações. E assim, passaram mais de 80 anos da data que Corrêa Goulão doou parte das terras para garantir a sobrevivência dos escravizados alforriados. No processo, tudo parecia calmo, até o momento em que os direitos de permanecer no território de origem começaram a ser ameaçados por uma empresa do ramo agropecuário.
No decorrer do quadro, as terras foram vendidas pelos herdeiros do Dr. Fialho para Argemiro Hungria da Silva Machado, presidente da Companhia Industrial Agrícola e Pecuária Itaipava, com objetivo de tornar a fazenda produtiva. Com a posse, dentro de uma semana, Argemiro instituiu o Registro Geral de Hypothecario de Usufruto em nome das pessoas negras que habitavam o local naquela época, e assim, se iniciou o processo de desterritorialização.
A maior serventia deste documento é o registro histórico do território étnico evidenciando. Já que a região, desde a época do seu antigo proprietário, Agostinho Corrêa Goulão, era ocupado por famílias negras cujos laços de consanguinidade entre os antigos escravizados da fazenda, estão presentes até os dias atuais dentre os integrantes das famílias que permanecem no território.
Apesar das tentativas de extinção do quilombo, situado no Vale do Cuiabá, Itaipava, os afrodescendentes seguiram mantendo suas formas originais. Tempos depois tiveram que passar por mais uma provação, em 2011, foram obrigados a sair do Tapera em razão do desastre socioambiental que aconteceu na Região Serrana.
A diretora de Cultura do Tapera, Denise André Barbosa, fala sobre o ocorrido. “ Foi o pior momento de nossas vidas, pois tivemos que deixar nosso território de identidade. Na época, unimos forças para voltar e manter a organização”, disse. Denise continua contando que a permanência da comunidade foi atribuída a muita resistência ao contínuo processo de desterritorialização ao qual foram submetidos.
“Às tentativas de remoção da comunidade do nosso território tradicional, impulsionou e fortaleceu os movimentos de resistência local e luta. A ancestralidade negra do nosso grupo de família, marca o território com a própria maneira de executar o processo de resistência à opressão histórica sofrida”, disse.
Quilombo
Quilombo são comunidades formadas por povos que passaram por um processo de resistência territorial, social e cultural no período escravocrata no Brasil. É nesses espaços que se reúnem os saberes e tradições comuns, como forma de memória e resguardo cultural. De origem Tupi “Tapera” significa fazenda abandonada. Denise ressalta que, no quilombo, todos os moradores vivem de modo tradicional de organização, ancorados na lógica das relações de parentesco, de apropriação, usando os espaços, sobretudo coletivamente.
Atualmente o Tapera luta pela titulação das terras, pois a partir do título são construídas políticas sociais que atendem a demanda dos quilombolas em diversos aspectos. Hoje, 70 pessoas residem no quilombo. Para o grupo, é uma vitória, já que muitos antepassados não conseguiram resistir à vida dentro da comunidade pelas dificuldades que ali encontraram.
Patrimônio
Quilombo é sinônimo de resistência. É importante resgatar as memórias e mostrar a potência deste patrimônio histórico dentro da Cidade Imperial. “Mais do que reconhecimento, precisamos que o nosso município nos respeite e realize as políticas públicas que nos são de direito como cidadãos petropolitanos”, reforça Denise. Petrópolis vem excluindo da sua história as contribuições dos negros no processo de crescimento e construção da cidade. Reconhecer esses espaços é um passo importante para que a população negra tenha referências reais de potências.
Por Leandra Lima / Foto: