Livro quebra estereótipos e mostra a força feminina na música brasileira

Embora a narrativa seja norteada por um nicho, ela reflete em todas as mulheres de forma significativa | Foto: Debora Gauziski

Por Leandra Lima

A palavra invisível vem do latim “Invisibilis”, que significa algo que não é visto, a interpretação do termo condiz com a maneira que as mulheres ainda são lidas pela sociedade patriarcal contemporânea, já que os feitos e contribuições femininas sempre são invisibilizadas, mascaradas por uma narrativa machista e opressora. Numa escala mundial, a história das mulheres nunca foi dignamente contada, mas não por falta de referências reais, mas sim por consequência da negligência de um sistema que contribui para que as vozes femininas sejam silenciadas. Durante muito tempo, grandes feitos realizados por mulheres eram trazidos à memória com um aspecto objetificado, sem que o fato fosse levado a sério, desfocando do potencial de condução do poder que tinham fora das residências influenciado setores majoritariamente compostos por homens. Como por exemplo o da indústria musical brasileira, que se assemelha a capitanias hereditárias, girando a roda do indica, indica. Mesmo com o cenário dominado por indivíduos masculinos, as mulheres se destacam pelas ideias precursoras e as contribuições em todas as esferas musicais, e é esse recorte que a obra literária “Feminismo na Indústria da Música”, da jornalista, pesquisadora e musicista Julia Ourique, professora da Universidade Estácio de Sá, campus Petrópolis, traz na construção, que destaca os diferentes aspectos da inserção entre feminismo, artivismo e mercado musical.

Obra

O livro que será lançado na quarta-feira, 7 de maio, às 18h, no Espaço Multifoco, na Lapa, Centro do Rio de Janeiro, gira em torno de três capítulos que se dividem em tópicos, a primeira parte trata da historiografia do feminismo no Brasil, com ênfase na presença de mulheres no mercado da música brasileira. Em seguida, apresenta e aprofunda o conceito de ativismo nas artes, ou artivismo, que une os dois, buscando a transformação da sociedade por meio da arte e cultura. A segunda parte, examina as mudanças na indústria fonográfica, com destaque para a atuação e a mobilização das mulheres no mercado da música. E a terceira e a última, disserta sobre um estudo de caso do selo musical PWR Records, explorando a trajetória e o modo como articula, na prática, os valores feministas com as dinâmicas do mercado musical.

A criação, segundo a autora, surgiu como fruto de quase 10 anos de pesquisa sobre o universo feminino no cenário. “O livro veio como uma evolução natural do trabalho como pesquisadora. A dissertação de mestrado, defendida na Uerj em 2023, foi a raiz para a criação, embora traga no livro dados atualizados e uma linguagem mais próxima do público. A obra busca trazer a discussão para a sociedade, sobre como estamos tratando as mulheres que participam da indústria e continuam a ter o seu trabalho invisibilizado”, disse Julia Ourique.

Além disso, outros estímulos a levaram para a temática, como por exemplo a sobreposição dos homens em cima das falas e ideias femininas na indústria. “O que me trouxe para este tema foi a injustiça que enxergo e que já sofri no mercado da música. Ter as minhas ideias creditadas a homens que trabalham comigo; ser completamente ignorada quando expunha minhas análises sobre música, enquanto o homem ao meu lado repetia os mesmos argumentos e era elogiado; ouvir da plateia que “fulana toca até bem para uma mulher”; ver as artistas com quem eu trabalhava sendo diminuídas em suas atuações profissionais simplesmente por serem mulheres, foi gerando um sentimento de – isso não pode mais acontecer- , e desde então a pesquisa foi crescendo” explicou.

Cenário

Falar sobre o papel da mulher na sociedade sempre é importante para destacar que o grupo são os principais agentes no diagnóstico das necessidades sociais. Numa escala ampla isso não é discutido, no recorte do mercado musical muito menos. “Quando a gente pensa na indústria da música, o papel das mulheres nunca é discutido. Principalmente no Brasil, em que a indústria é quase como capitanias hereditárias, sempre alguém que conhece alguém, raramente ouvimos histórias de alguém que vem de fora, embora isso venha mudando neste século. Por volta de 2012, 2013, começou o que nós, pesquisadoras, vamos chamar de “quarta onda do feminismo”. Esse período foi tomado por uma série de pautas de cunho feminista, ou seja, reivindicação dos direitos das mulheres de serem tratadas como cidadãs, donas de si, pessoas”, ressaltou a autora.

Essas ações criaram movimentos que colocaram as mulheres como protagonistas dentro da música, como por exemplo o selo PWR Records (PE), do centro cultural Motim (RJ), e o selo Efusiva (RJ), entre outras iniciativas.

Outro ponto abordado é a desigualdade no mercado. “O trabalho feminino ele deve ser destacado em qualquer área. Todas nós somos as que trabalhamos em jornada dupla, tripla até, quando as responsabilidades do cuidado, são sempre direcionados às mulheres. Na indústria da música, elas vem sendo invisibilizadas há mais de um século, são mulheres que desistem da carreira aos 40 anos, como aponta análise de dados da pesquisa disponibilizada neste livro, porque tem que lidar com o machismo, os baixos salários, os horários noturnos e perigosos que o trabalho na música exige e ainda chegar em casa e cuidar da casa e família. Aos 40 anos, geralmente encontramos a estabilidade financeira e com as mulheres que trabalham na música, esse ideal fica cada vez mais distante, tornando a mudança de carreira um passo natural” ressaltou Julia Ourique.

Intenção

De forma pioneira o livro investiga o feminismo na indústria da música brasileira. A obra traz o enfoque nas criadoras, pensadoras, pesquisadoras e todas aquelas que fazem parte do universo. “Meu maior desejo com este livro é que mulheres deixem de ser um nicho de pesquisa e se tornem parte do todo quando pensamos em indústria da música no Brasil. Que mais pessoas se interessem em descobrir e escrever sobre a história delas que trabalham tanto e seguem sendo invisibilizadas. Não apenas refletir sobre a situação delas na indústria da música, mas também agir a partir destas análises e discussões” enfatizou Julia.

Embora a narrativa seja norteada por um nicho, ela reflete em todas as mulheres de forma significativa. “Falar mais sobre as desigualdades entre os gêneros nos permite que possamos pensar, discutir e cobrar do Estado proteções ao direito que nós temos, que é o de usufruir da cultura, trabalhar com o que desejamos e de ir e vir” destacou a autora.

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