Dois anos se passaram da maior tragédia que atingiu a cidade de Petrópolis, e as vítimas e moradores em áreas de risco ainda esperam assistência. Segundo a presidente da Comissão das Vítimas das Tragédias da Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, Claudia Renata Ramos, ações efetivas por parte da prefeitura poderiam ter sido realizadas para evitar a catástrofe. Ainda de acordo com a presidente, atualmente, cerca de 3,2 mil famílias necessitam de uma moradia digna. Entre essas, algumas ainda são remanescentes da tragédia de 2011, uma das maiores que já atingiu a Região Serrana.
No ano passado, a Prefeitura de Petrópolis firmou, por meio da Defensoria Pública, com as vítimas da tragédia de 2022, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). O Termo é voltado para as famílias moradoras de casas que precisam ser demolidas para que as obras de contenção no Morro da Oficina, no Alto da Serra, avancem.
Segundo a Defensoria Pública, 212 famílias receberam a indenização e os pagamentos foram realizados entre julho e novembro de 2023. Contudo, a Defensoria afirmou que 33 famílias ainda aguardam pelo ressarcimento. O TAC ainda definiu uma multa à Prefeitura de Petrópolis em caso de atraso no pagamento. De acordo com o órgão, todas as famílias aguardam o pagamento da multa.
Questionada, a Prefeitura negou que tenham famílias aguardando indenização, afirmou que todas as 245 famílias do programa Recomeço Seguro já receberam as compensações. “Totalizando um investimento de cerca de R$ 30 milhões de recursos próprios da Prefeitura”, disse.

Valores do TAC não condizem com a realidade petropolitana
O inspetor de disciplina em uma escola no Alto Independência, Carlos Raimundo, mora no Morro dos Ferroviários há 58 anos, sua casa não foi diretamente atingida pela tragédia, mas está localizada em uma zona de risco.
A casa está interditada pela Prefeitura de Petrópolis, mas Carlos permanece no local com a irmã e dois cachorros. De acordo com ele, a proposta disponibilizada pela Prefeitura, por do TAC, não é o suficiente para recomeçar a vida.
“Passou pela minha cabeça mudar daqui sim. Só que encontramos dificuldade para alugar uma casa, porque na maioria das vezes a imobiliária ou o proprietário pede três meses de caução ou encontra muitos lugares piores que aqui para alugar. Não tem para onde ir”, enfatizou Raimundo, explicando que muitos lugares não aceitam animais e ele não pode deixá-los para trás.
O TAC disponibilizado pela Administração Municipal pagaria R$ 90 mil pelas casas demolidas. “Não é nem pela minha casa, porque não é uma casa de luxo. Mas eu não aceitei pelo valor. Com 90 mil reais você não faz nada em Petrópolis. Pedi a eles que aumentassem o valor, para que então pudesse dar uma entrada em outra casa”, disse. Em relação ao Aluguel Social, Carlos explica que não aceitou na primeira proposta porque foi informado que o auxílio teria um prazo de seis meses. “Nesse período não tem condições de uma pessoa se organizar, por isso eu não aceitei”, completou.
Perdas que não têm preço
Entretanto, o recomeço vai muito além de um novo lugar para morar ou uma compensação financeira. Cristiane Gross, perdeu nove familiares no Morro da Oficina, entre eles, a filha e o neto. Atualmente ela mora sozinha na localidade do Quissamã, mas as lembranças do dia 15 de fevereiro nunca vão ser esquecidas.
“Dois anos de sofrimento, de luta. É muito difícil. Eu estou sobrevivendo. Fui arrancada das minhas raízes, foram 31 anos morando ali, eu não tinha vizinhos, eu tinha uma família. Quando chove a sensação é de desespero total. Acredito que não seja só eu. Nós temos uma população hoje totalmente aterrorizada. O menor sinal de uma nuvem no céu e pingos, as pessoas já entram em desespero”, enfatizou Cristiane, dizendo que ainda não consegue colocar os quadros com fotos da família na nova casa.
Expectativas frustradas
Claudia Renata Ramos afirmou que nada mudou desde a tragédia do Vale do Cuiabá. “As medidas tomadas pela Prefeitura após as duas tragédias [2011 e 2022] não foram eficientes. Não melhorou nada. A gente vê que de 2011 até agora, quase nada foi feito. Estão com algumas obras de contenções se arrastando. Vai fazer dois anos da mais recente e nada. Se passaram 13 da mais antiga e quase nada mudou”, enfatizou Claudia, que também é presidente da OSC UMAS (União Por Moradia e Assistência Social).
Cláudia também afirmou que o município está com dificuldade em receber verbas do Governo Federal, por meio do PAC Encostas, devido a uma falta de prestação de contas do PAC 1 e 2, desde 2012 até agora. “O que poderia ter sido diferente, é o preparo. Não é possível que de 2011 até agora a gente não tenha ações eficazes em relação às tragédias. Não conseguimos que a população petropolitana saia de casa quando uma sirene toca, as famílias não têm consciência que é preciso sair da área de risco e continuam construindo casas”, disse Claudia Renata.
“Não há uma fiscalização adequada nas comunidades por parte da Prefeitura. A gente tem reclamações de sirenes que não tocam e de casas do Aluguel Social que não são vistoriadas e quando vão fazer a renovação contratual percebe que está interditada há muito tempo. Falta fiscalização como um todo, da Defesa Civil, da Secretaria de Obras e do pessoal da Assistência Social”, completou Renata.
A Prefeitura não respondeu aos nossos questionamentos, no entanto, divulgou que construiu 79 contenções e 19 estão em andamento. Ainda informou que o município iniciou as obras de contenção logo após as chuvas de 2022.
Minha Casa, Minha Vida
A Secretaria de Habitação de Interesse Social do Estado do Rio de Janeiro deu prosseguimento ao processo para construção de moradias populares na cidade. Foram cadastradas e aprovadas 294 moradias populares dentro do programa Minha Casa, Minha Vida. Programa reformulado pelo Governo Federal no último ano e deu início às contratações de empreendimentos em 2024.
As unidades habitacionais serão construídas em três terrenos do Estado: são 140 na Mosela, 84 em Benfica (Itaipava) e 70 no Vale do Cuiabá para famílias em espera e no Aluguel Social.
“As moradias da Mosela e de Benfica já tiveram seus chamamentos públicos publicados em Diário Oficial e as empresas interessadas têm até o início de março para apresentarem suas propostas. Já a seleção das empresas para as obras do Vale do Cuiabá será publicada nos próximos dias”, informou a Secretaria do Estado.
“Estamos à disposição no aguardo da Prefeitura de Petrópolis para encaminhamento da demanda necessária (número de famílias), assim como a disponibilização de terrenos para realização de visitas e possíveis parcerias para viabilização de futuras unidades”, finalizou.
Já a Prefeitura de Petrópolis anunciou chamamento público para a construção de 170 Unidades Habitacionais na Estrada da Saudade. Segundo o município, o terreno é próprio de Petrópolis, adquirido em 2014. As empresas têm até a metade de março para se manifestarem. “O objetivo é que as obras comecem já em 2024”, afirmou a gestão municipal.
Por Gabriel Rattes/Fotos: Thiago Alvarez