Mesmo após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reforça a competência dos Tribunais de Contas para julgar prefeitos que atuam como ordenadores de despesa, a Câmara Municipal de Petrópolis continua acumulando atrasos no julgamento das contas do Executivo. Segundo registros oficiais da própria Câmara, permanecem sem apreciação as contas de gestão (ordenador de despesas) de 2014, 2015 e 2016. Além disso, todas as contas de governo de 2016 a 2022 – com exceção apenas das contas de 2017, que foram aprovadas – também seguem paradas, mesmo já tendo parecer técnico emitido pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ).
Quanto às contas de ordenador de despesas de 2017 em diante sequer foram analisadas pelo TCE-RJ até o momento, o que revela outro gargalo no processo de controle externo: o acúmulo de processos também nas instâncias técnicas.
Esses atrasos vão na contramão da segurança jurídica defendida pelo STF, que, em fevereiro deste ano, decidiu por unanimidade que os tribunais de contas têm competência para julgar as contas de prefeitos que acumulem a função de “ordenadores de despesa”. Para a Corte, uma vez constatadas irregularidades, é possível também condenar os gestores municipais ao pagamento de multa e à devolução do dinheiro aos cofres públicos.
Diferenças entre as contas
As contas de governo avaliam os resultados gerais da gestão pública em um ano, como o cumprimento de metas, gastos com saúde, educação, pessoal e endividamento. Elas são analisadas tecnicamente pelo Tribunal de Contas, que emite um parecer prévio, mas o julgamento final cabe à Câmara de Vereadores.
Já as contas de gestão analisam a responsabilidade direta de quem administra dinheiro público, como prefeitos e secretários que autorizam despesas. Nesses casos, o TCE julga de forma definitiva, podendo aplicar multas ou exigir a devolução de recursos se houver irregularidades.
Entenda a decisão do STF
O julgamento foi feito na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 982, apresentada pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon). A Corte reconheceu que prefeitos que assumem a função de ordenar despesas — ou seja, aqueles que autorizam gastos públicos diretamente — devem ter suas contas analisadas tecnicamente pelos Tribunais de Contas, e não politicamente pelas Câmaras Municipais.
Segundo o ministro Flávio Dino, relator do caso, impedir os tribunais de julgar esse tipo de prestação de contas levaria ao “esvaziamento do controle externo” sobre o uso de recursos públicos.
Dino também explicou que há uma diferença entre contas de governo, que são julgadas pelas Câmaras Municipais com base em parecer prévio do tribunal, e as contas de gestão, que envolvem a execução direta de recursos e devem ser julgadas de forma técnica e definitiva pelo próprio Tribunal de Contas.
Atrasos em Petrópolis
Em Petrópolis, o TCE-RJ já analisou as contas de governo dos anos de 2016, 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022 — todas continuam tramitando na Câmara, sem votação final. Apenas as contas de 2017, da gestão Bernardo Rossi, foram apreciadas pelos vereadores e aprovadas.
As contas de gestão de 2014, 2015 e 2016, do ex-prefeito Rubens Bomtempo, também seguem sem votação desde que foram entregues ao Legislativo. Após a decisão do STF, cabe exclusivamente ao Tribunal de Contas o julgamento dessas contas, cabendo à Câmara apenas tomar conhecimento do parecer, sem possibilidade de reversão ou interferência.
Já as contas de gestão de 2017 em diante ainda não foram julgadas pelo TCE-RJ, o que impede qualquer providência legislativa nesse campo até que haja parecer técnico conclusivo.
Especialista explica efeitos do atraso
Para o advogado Phillipe Castro, especialista em direito público, é essencial separar os efeitos do atraso nas contas conforme o tipo de análise. “No caso em tela, é essencial distinguir os efeitos do atraso na votação das contas dos prefeitos, separando as contas de gestão (ordenador de despesas) das contas de governo”, afirma.
Sobre as contas de gestão, ele explica: “Mesmo que a análise pelo Tribunal de Contas demore, isso só impacta a elegibilidade do gestor se houver um parecer prévio pela rejeição, seguido da confirmação pela Câmara Municipal com base em irregularidades insanáveis que configurem ato doloso de improbidade. Sem essa conclusão, o simples atraso não impede a candidatura”, disse.
Já para as contas de governo, Phillipe ressalta que a situação é mais preocupante: “Após o parecer do Tribunal de Contas, a ausência de votação pela Câmara cria um vácuo jurídico. Isso compromete a transparência da gestão pública, pois impede o encerramento do julgamento político-administrativo anual”.
Ele conclui alertando para as consequências da indefinição: “Ainda que o gestor possa responder por improbidade independentemente dessa votação, a indefinição política adia responsabilizações e enfraquece a confiança pública na fiscalização democrática”.
O que dizem as partes?
Procurada, a Câmara Municipal não se pronunciou sobre o atraso na votação das contas de ordenador de despesas. Também não se pronunciou sobre o atraso da votação das contas de governo, que estão paradas desde o ano de 2016, todas com parecer técnico já do TCE.
Já o Tribunal de Contas do Estado não se pronunciou sobre as contas de ordenador de despesas de 2017 em diante, que ainda não foram analisadas pela Corte de Contas.