No sábado (26), o artista visual Matheus Ribs (@.oribs), denunciou um episódio de censura, durante o Festival do Sesc de Inverno em Petrópolis, envolvendo a obra “KilomboAldeya”, uma releitura da bandeira nacional que demonstra outra face do Brasil, destacando as origens indígenas e africanas nos territórios. A manifestação artística foi desmontada por agentes da Guarda Municipal da cidade, que alegaram “descaracterização do patrimônio nacional”, no caso a bandeira do país.
Segundo o artista, os agentes compareceram ao Parque Municipal Paulo Rattes, com um suposto alvará, retirando a obra sem consentimento. A montagem definida pela própria curadoria do festival foi removida e retirada dos materiais de divulgação um dia após a instauração no espaço. “A obra foi removida do espaço expositivo sem o meu consentimento, mesmo estando hospedado em proximidades do evento e disponível para qualquer diálogo. A decisão de retirá-la não foi fruto de debate artístico, técnico ou institucional: foi um ato de violência policial e de censura direta à liberdade de expressão, que evidencia o uso autoritário da força estatal contra a liberdade artística”, expressou em nota nas redes sociais.
O Sesc revelou que a Guarda Municipal usou como base a Lei nº 5.700/1971, que versa sobre a forma e apresentação dos símbolos nacionais para desmontar a instalação, e lamentou o ocorrido, ressaltando a importância da diversidade artística para provocar críticas e reflexões.
Repercussão
Supressão de ideias e proibição de manifestações artísticas é uma das características da ‘censura’ , uma prática usada pelo corpo político ou moral, visando a proteção dos interesses do estado. Essa definição foi experimentada pelo artista que trouxe a reflexão de uma Petrópolis inventada para poucos, por insistir em apagar as memórias dos povos originários que se fizeram presente no território. “Itaipava, como parte da Região Serrana do Rio de Janeiro, possui raízes profundas no colonialismo e no escravismo, com latifúndios e estruturas ainda marcadas pela desigualdade racial e territorial. A repressão a uma obra artística nesse território mostra que o pacto colonial permanece em vigor, sobretudo quando vozes dissidentes e contra-hegemônicas se expressam publicamente”, disse Matheus.
Diante do acontecimento movimentos sociais, artísticos e políticos se manifestaram sobre o caso, ressaltando a presença negra e indígena na “Cidade Imperial”. Um dos primeiros a se solidarizar com o caso foi o Museu de Memória Negra de Petrópolis, repudiando o ato – “Esse episódio não é um fato isolado: ele ecoa estruturas coloniais e racistas, que insistem em silenciar manifestações culturais que questionam e ressignificam símbolos do poder histórico no Brasil, especificamente, em Petrópolis. Nos solidarizamos com o artista e reafirmamos que a liberdade de expressão, assegurada pela Constituição Federal, é inegociável. Ressignificar a bandeira nacional para incluir matrizes indígenas e afro-brasileiras é um ato legítimo de memória, identidade e resistência, não um crime” -, informaram através de nota nas redes sociais.
O Coletivo Povo do Santo também ressaltou que a cidade é terra de aldeia e de quilombo. “Não aceitaremos o apagamento e silenciamento da história”. A Vereadora Julia Cassamasso (Psol) e a Coletiva Feminista Popular, repudiaram a ação ecoando as palavras de denúncia. “Inacreditável a situação de censura que aconteceu bem aqui, no município. Uma intervenção que denuncia apagamentos históricos e exalta a resistência negra, foi silenciada em praça pública. Não é um caso isolado. É sintoma de um projeto que persegue o pensamento crítico, a arte e a memória negra”, expressaram. A parlamentar indagou ainda, que vai cobrar respostas da Prefeitura Municipal.
Além de Júlia, a Deputada Federal do Psol, Taliria Patrone, mostrou apoio ao artista, afirmando que o ato é uma perpetuação de um país que ainda tenta negar a identidade e esconder o genocídio histórico e atual de negros e indígenas.
O recorte levantou um debate sobre a livre circulação da arte que provoca uma reflexão de um sistema que insiste em invisibilizar aqueles que construíram o Brasil, montado por muitas mãos não mencionadas na história. E é nesse recorte que a obra se baseia – “Kilombo Aldeya é uma ideia viva convite a imaginar outros projetos de Brasil, enraizados nas matrizes indígenas e afro-brasileiras, nos territórios de resistência e nos saberes historicamente silenciados. Ainda que tentem removê-la do espaço físico, sua força permanece. Porque KilomboAldeya, como Zumbi dos Palmares, não é apenas uma presença material: é uma ideia. E ideias não se apagam. Elas se multiplicam, resistem e seguem criando brechas no apagamento” – reafirmou o artista.
Posicionamento
A Prefeitura e Guarda Municipal não se manifestaram em relação ao fato, até o fechamento desta edição.