A morte de Paulo Henrique, de 26 anos, após procurar atendimento quatro vezes no Hospital Maternidade Santa Theresinha, em São José do Vale do Rio Preto, na Região Serrana do Rio de Janeiro, gerou forte comoção e revolta nas redes sociais. O jovem teria saído da unidade todas as vezes sem um diagnóstico preciso, o que levantou questionamentos sobre a qualidade do serviço prestado à população. “O único diagnóstico que temos recebido no hospital é de virose e ansiedade. É vergonhoso o abandono e o descaso”, afirmou um morador.
Outro cidadão contou que o hospital é péssimo. “Recentemente estava com muita dor no peito, o médico nem me examinou e disse que era ansiedade. Como ele sabe se nem tocou no paciente? A realidade é que a cidade não quer investir na saúde e infelizmente parece que às coisas só pioram”, disse.
A maternidade é um hospital público gerido pela Prefeitura Municipal, através da secretaria de Saúde, que funciona com serviço de emergência, obstetrícia, urgência e internação, sendo um dos principais na cidade. Foi nesse mesmo local que Paulo Henrique procurou atendimento quatro vezes em uma única semana, entre os dias 21, 22 e 25 de julho.
Entenda o caso
Paulo Henrique, vinha se sentido mal por quase uma semana, e no dia 21, uma segunda-feira, procurou a unidade médica com queixas de cansaço e dificuldade de respirar e saturação baixa. Na ocasião marcada como o primeiro atendimento, aguardou por cerca de 18 horas, das 8h da manhã às 2h da madrugada, para realização de um exame de tomografia (TC) do tórax, porém, mesmo com o agravo na saturação foi liberado, pois o laudo não apontou nenhuma anomalia, porém o jovem continuava com os sintomas.
Na terça-feira (22), data que marca a segunda ida ao hospital, Paulo teve um diagnóstico que não condizia com o que estava sentindo, avaliaram o quadro como ansiedade, uma patologia emocional que pode causar algumas alterações no corpo, no entanto segundo o que o próprio narrou em uma nota de repúdio nas redes sociais, por conta do atendimento, a classificação médica não condizia com os sintomas expressados por ele: saturação baixa, cansaço e dificuldades de respirar. “Até agora, sigo sem um diagnóstico claro e sem entender o porquê da minha saturação não melhorar. Nenhum médico soube me dar uma explicação concreta. Sinceramente, estou muito decepcionado com a saúde de São José. Me sinto negligenciado e desamparado “, expressou o jovem na nota.
Em outro trecho ele narra a trajetória percorrida e diz se sentir abandonado pelo sistema de saúde do município. “Se sentir mal não é brincadeira. Eu não vou ao hospital por capricho – vou porque realmente não estou bem. Fiquei das 8h da manhã até às 2h da madrugada no hospital com a saturação baixa. Fiz uma tomografia quase à meia-noite e, mesmo continuando com cansaço e a saturação baixa, me mandaram embora dizendo que “não tinha nada”. Voltei no dia seguinte, levei meus exames, expliquei que seguia mal… e me disseram que era ansiedade. Escutei coisas que não queria e que não merecia ouvir. Me senti invisível. Hoje, tudo o que eu queria era melhorar. Mas no lugar disso, só tenho vontade de ficar deitado, sem forças pra tentar mais uma vez. Já desisti de procurar ajuda “, contou.
Na terceira tentativa de pedir ajuda, na sexta-feira (25), familiares da vítima contam que Paulo Henrique voltou ao hospital pela manhã com os mesmos sintomas. “A médica liberou, e a mãe havia perguntado o motivo, já que os sintomas persistiam. Em resposta, a profissional falou que Paulo estava com pneumonia bacteriana passada, e daria para cuidar de casa. E assim foi para casa com uma receita de bombinha de asma e alguns remédios” disse a prima, Daniela Rodrigues.
Após ser liberado, numa quarta tentativa de buscar socorro na Maternidade, na mesma sexta-feira, na parte da noite, Paulo Henrique morreu. “Ele já voltou pro hospital com os mesmos sintomas de segunda, terça e sexta de manhã. Só que o Paulo já estava bem pior. Não aguentou e veio falecer”, descreveu a familiar.
Sem apoio
A morte do jovem pegou a família de surpresa, e escancarou a falta de infraestrutura do hospital em lidar com casos graves. “A situação pegou muita gente de surpresa, sabemos que a hora das pessoas chega, mas tá difícil de aceitar. Porque se eles tivessem dado um pouco mais de atenção no caso dele, meu primo poderia estar aí com a gente ainda. A família está toda abalada, ninguém consegue aceitar porque foi negligência médica, eles não deram atenção, não só no caso do meu primo, vários outros casos que já teve aqui na cidade. A gente sabe, tá querendo justiça, mas para que não aconteça com mais famílias” expressou Daniela.
Conforme os familiares, a Prefeitura Municipal de São José não ofereceu apoio no caso. Apenas publicaram uma nota de esclarecimento, que colocaremos abaixo na íntegra:
[…] “A Secretaria Municipal de Saúde de São José do Vale do Rio Preto comunica que o paciente P.H.S.O. (abreviação do nome de Paulo), foi atendido no Hospital Maternidade Santa Theresinha nos dias 21, 22 e 25 do mês de julho de 2025, evoluindo a óbito neste último dia. Devido ao ocorrido, viemos através deste realizar esclarecimentos sobre as seguintes questões: Nenhuma das ocasiões em que o paciente foi atendido foi diagnosticado com hipóx (saturação menor que 94%) ou foi notado aumento de frequência/esforço respiratório, com exceção ao dia de seu falecimento. Não houve ocasião em que o paciente citado aguardou mais do que o tempo estimado, determinado pelos critérios de triagem usados em nossa urgência (protocolo de Manchester).
Em nenhum dos atendimentos foi liberado, sem melhora sintomática comprovada pela aferição de sinais vitais, como descrito em prontuário eletrônico. Durante seus atendimentos foram realizados, por diversas ocasiões, exames laboratoriais e exames de imagem (raio-x/tomografia), necessários para investigação diagnóstica. Todos os atendimentos realizados constam com descrição diagnóstica registrada através de CID (Classificação Internacional de Doenças) em prontuário eletrônico. Cumpre-nos informar que toda a documentação comprobatória dos itens citados acima se encontra à disposição da família do paciente, para consulta e esclarecimentos que se fizerem necessários.
Informamos que será instaurada Sindicância Administrativa Investigativa para apuração das circunstâncias relacionadas ao óbito ocorrido e adoção de medidas preventivas. Por fim, como medida cautelar, visando resguardar a lisura do processo, fica determinado o afastamento de parte da equipe médica envolvida no primeiro atendimento ao paciente, até a conclusão da sindicância” […..]
Apesar da nota, a família diz que o expressado pelo Executivo não condiz com a verdade, pois a saturação de Paulo estava abaixo. “Todos sabem que a saturação do meu primo foi menor que 94%, ele estava com falta de ar, com cansaço. Deixou bem claro, isso até mesmo na nota de repúdio dele, não adianta às vezes eles afastarem os profissionais, porque eles vão continuar em casa ainda. Precisamos de profissionais dignos, que tenham amor, queiram trabalhar e dar atenção ao que a pessoa está sentindo”, enfatizou a familiar da vítima.