A Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital das Clínicas de Corrêas – H.C.C Centro de Terapia Intensiva e Cirúrgica LTDA – está regulando pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) de Petrópolis sem contrato formal com a Prefeitura Municipal, devido à não renovação dos serviços em fevereiro deste ano. A informação foi dada em audiência pública realizada na Câmara Legislativa, na última quinta-feira (28), por representantes da unidade, que trouxeram à pauta a dívida de cerca de R$ 26 milhões do município com a entidade.
Atualmente, o H.C.C presta dois tipos de serviço ao ente público municipal, recebendo pacientes regulados em 110 leitos da clínica médica — que atende casos menos graves — e na UTI, os mais críticos, atuando com aproximadamente 40 leitos regulados, segundo o hospital. Destes, apenas o contrato da clínica médica, fechado em agosto de 2024, no valor de R$ 4 milhões, está regulamentado, após renovação em março deste ano. Apesar disso, o acordo atual não se encontra no portal da transparência da Prefeitura. Já o contrato da UTI, fechado em 2020 por outra gestão, no valor de mais de R$ 17 milhões, com possibilidade de prorrogação, não está vigente. A última renovação foi realizada também em agosto de 2024, com um aditivo global de mais de R$ 11 milhões. O prazo terminou em março e os serviços se mantiveram.
O que levou à não renovação
De acordo com o advogado do hospital, Mário Andrade de Corrêa, a suspensão do contrato se deu como consequência da dívida correspondente aos meses de janeiro a agosto que o município possui com a unidade hospitalar, e que gira em torno de R$ 21 milhões. O não pagamento complicou os trâmites para obtenção da Certidão de Regularidade Fiscal (CND). “O hospital descobriu há dois meses que o contrato da UTI foi suspenso. O fato ocorreu porque não foi possível renovar o contrato devido à falta de certidão negativa federal, resultado de atrasos no pagamento dos serviços prestados nos meses anteriores. Apesar disso, a prefeitura continua regulando pacientes para a UTI”, pontuou.
O representante ressaltou ainda que, em maio, o hospital já havia conseguido a certidão, mas não houve manifestação do poder público em renovar os serviços. Por conta disso, a administração teve que recorrer a uma linha de crédito no valor de R$ 5 milhões para manter a UTI regulada. Com isso, a dívida da gestão passa a equivaler a R$ 26 milhões. “Então, o que a gente veio tentando resolver com o jurídico da Secretaria de Saúde da Procuradoria do município foi a possibilidade de renovação, uma vez que quem deu causa a não termos a certidão foi o próprio ente”, disse em plenária.
Na sessão, o advogado trouxe outro ponto, que coloca em dúvida a verba para pagar a dívida: uma manobra da Prefeitura, que busca, por meio de contrato emergencial, credenciar outra unidade hospitalar para suprir a demanda desses leitos que continuam sendo regulados no H.C.C., ou seja, o município está buscando outra alternativa sem parar de utilizar o serviço e sem formalizá-lo. Nesse caso, a dívida só aumenta.
Em relação a isso, o hospital informou que está disputando esse credenciamento para um contrato emergencial, mas questiona como será possível contratar terceiros ou manter os serviços sem que os pagamentos devidos sejam realizados. “Reconhecemos que a iniciativa da administração de buscar recursos alternativos é válida, mas a situação financeira atual compromete a prestação de serviços. Como vão arcar com esse custo se estão devendo?”, apontou o representante.
Frente ao cenário, a vereadora Júlia Casamasso lamentou a falta de representantes do Executivo para sanar as dúvidas e salientou que a situação é complicada. “Vemos uma dependência de contratos emergenciais terceirizando a saúde do município. Isso traz uma fragilidade à saúde pública da rede municipal. Então, é um caminho muito, muito problemático. É necessário e urgente que o município invista, de fato, nos equipamentos que são públicos”, enfatizou. Ressaltou ainda que o atual contrato dos leitos das clínicas médicas não se encontra no portal da transparência, deixando uma lacuna para o entendimento geral.
Medida irregular
Devido aos trâmites, para entender se a postura do Executivo está dentro da legalidade, o Correio conversou com o advogado especialista em Direito Processual Civil, Philippe de Castro Lourenço, que trouxe uma análise sobre o caso, destacando que a situação entre a Prefeitura e a UTI do H.C.C é considerada ilegal, pois viola diretamente leis fundamentais da administração pública, como a obrigatoriedade de um contrato válido para a realização de despesas e o princípio da legalidade.
“A operação do hospital para o município é irregular, pois o governo só pode pagar por serviços se existir um contrato válido. Como o contrato foi suspenso em fevereiro, a prefeitura não tinha base legal para continuar enviando pacientes e acumulando despesas, o que desrespeita as leis de gastos públicos”, explicou.
O especialista apontou que a escolha do município em continuar com esse acordo informal, mesmo após o hospital obter a certidão em maio, foi uma falha. “Os gestores públicos que mantiveram o envio de pacientes sem um contrato válido podem ser responsabilizados legalmente. A solução correta seria ter criado um novo contrato ou aditivo contratual emergencial para legalizar a situação assim que o hospital resolveu suas pendências quanto às certidões”, disse.
Hospital
O Hospital das Clínicas de Corrêas atua na região há cerca de 80 anos, período em que também enfrentou instabilidades que resultaram em diversas denúncias sobre o atendimento. Pacientes denunciam problemas na qualidade de serviços básicos, como a limpeza do espaço, e nos atendimentos prestados pela equipe médica, desde o primeiro contato.
O tema já foi tratado em plenário, em maio deste ano, quando o vereador Octavio Sampaio (PL) disse, em sessão, que a parceria do H.C.C não atende à população, nem à prefeitura, nem à própria instituição. “É ruim pra todo mundo, principalmente para o paciente, que acaba muitas vezes sem o tratamento devido”, afirmou.
Frente aos apontamentos, o hospital informou que atua conforme as exigências necessárias, prestando um serviço digno e correto, de acordo com as regras dos órgãos competentes, como o Ministério da Saúde.
Respostas
A reportagem questionou a Prefeitura sobre os débitos e os contratos em questão, além de outros assuntos acerca do hospital, mas até o fechamento desta edição não obteve resposta.
A reportagem também questionou o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) para entender se o órgão está acompanhando todo esse processo, mas até o fechamento também não houve retorno.