Um dossiê, com 37 páginas, apontando possíveis irregularidades na saúde pública de Nova Friburgo, inclusive de má uso dos recursos federais e problemas no Hospital Raul Sertã, principal e maior hospital de Nova Friburgo, foi entregue ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha. No documento, elaborado pelo vereador Marcos Marins, o parlamentar solicita uma auditoria por parte do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DENASUS).
A representação formal relata graves problemas que estariam ocorrendo na saúde do município e aponta a necessidade de intervenção urgente por parte do Ministério da Saúde. Entre as questões apontadas pelo dossiê, estão falhas estruturais, a má gestão de recursos públicos, ausência de dados oficiais e violações à legislação orçamentária que comprometem diretamente a efetividade do Sistema Único de Saúde (SUS).
O parlamentar destacou principalmente a situação do Hospital Municipal Raul Sertã, que o principal hospital do município, e que deveria atuar como polo de referência para urgência e emergência para pelo menos oito municípios vizinhos. “Contudo, a realidade é de um colapso funcional e estrutural crônico”, aponta o documento. “O dossiê foi integralmente elaborado pelo meu gabinete, a partir das inúmeras denúncias, reclamações e documentos recebidos desde o início do mandato acerca das graves irregularidades na gestão da saúde pública em Nova Friburgo. Desde então, temos reunido e sistematizado indícios contundentes de má gestão dos recursos do SUS, omissão de dados oficiais, descumprimento de normativas e precarização progressiva dos serviços essenciais”, explicou Marcos Marins.
Além da instauração imediata de uma auditoria técnica pelo DENASUS no Fundo Municipal de Saúde e na Secretaria Municipal de Saúde de Nova Friburgo, o vereador solicita que o Ministério da Saúde também verifique a veracidade dos dados e a transparência da gestão; apure a conformidade das informações sobre produção hospitalar (internações, óbitos, cirurgias), taxas de mortalidade e outros indicadores assistenciais enviados pelo Município aos sistemas federais (SIH/SUS, DATASUS), ; faça uma auditoria para apurar a regularidade na aplicação dos recursos federais do SUS afim de verificar possíveis desvios de finalidade, como o remanejamento ilegal de R$ 9 milhões do fundo para a Secretaria de Turismo; avalie a conformidade da gestão hospitalar com as normas do SUS e a legislação sanitária, investigando as causas das falhas estruturais, do desabastecimento crônico de insumos e medicamentos no Hospital Municipal Raul Sertã e demais unidades da rede; analise a integridade dos processos de contratação e a lisura na prestação de serviços de saúde, fiscalizando a execução de contratos estratégicos.
Segundo o vereador, a proposta é evidenciar que não se trata de casos isolados, mas de um conjunto robusto de falhas estruturais, administrativas e operacionais que, somadas, apontam para um cenário de colapso. “Diante da inércia do Poder Executivo e da ausência de resposta institucional efetiva, solicitamos, diretamente ao Ministro da Saúde, a atuação do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DENASUS), para que seja realizada auditoria técnica e rigorosa na rede municipal de saúde”, ressaltou.
Principais pontos da denúncia:
Sucateamento do Raul Sertã
Falta de estrutura física; mobiliário precário; situação precária da cozinha; descarte inadequado de resíduos químicos do setor de raio-x, desabastecimento de insumos e medicamentos.
Gastos milionários
O documento aponta que as cozinhas do Hospital Raul Sertã e da Maternidade Dr. Mário Dutra de Castro permanecem com obras inacabadas e, devido a isso, os gastos com a alimentação são milionários. ” Entre 2023 e 2025, a prefeitura firmou 14 contratos para fornecimento de alimentação transportada (quentinhas), totalizando R$ 35.937.953,76. Desse valor, R$ 26,9 milhões foram para o Hospital Raul Sertã e R$ 9 milhões para a Maternidade”, aponta o relatório.
Desvio de recursos
Em 27 de fevereiro de 2025, o Decreto nº 3.411/2025, autorizou o remanejamento de R$ 9 milhões do Fundo Municipal de Saúde – especificamente da dotação orçamentária destinada ao cumprimento de demandas judiciais relativas à assistência hospitalar e ambulatorial — para a Secretaria Municipal de Turismo, com o objetivo de custear a realização de festivais, shows, encontros, desfiles, festas e atividades carnavalescas.
Escândalo na farmácia
Em abril de 2025, um servidor contratado em 2022, que atuava no setor de Farmácia do Hospital Municipal Raul Sertã, foi preso em flagrante durante uma operação policial que investigava fraudes com cartões de vale-transporte. Na residência do suspeito, a polícia apreendeu mais de 500 medicamentos de uso controlado, além de receitas e carimbos médicos falsificados. O servidor foi afastado.
Mais de 2,5 mil aguardam atendimento cardiológico
Segundo o dossiê, em maio de 2025, o Ministério Público (MPRJ) apontou que mais de 2.500 pacientes aguardavam por consulta com cardiologista e outros 2 mil estavam na fila para exames como ecodoppler, holter, ecocardiograma, angiotomografia e cintilografia do miocárdio. A omissão da gestão municipal levou à assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em agosto de 2025, que obriga a prefeitura a zerar a fila em 120 dias, sob pena de multa diária de R$ 10 mil.
Falhas na atenção básica
O programa Estratégia Saúde da Família (ESF) do município possui cobertura inferior a 47% da população (porcentagem referente a 2024), índice considerado insuficiente. A consequência direta é o agravamento de quadros clínicos que poderiam ter sido evitados, o que alimenta o ciclo de sobrecarga dos hospitais.
Judicialização da saúde
Segundo dados do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), Nova Friburgo foi, em 2024, o segundo município do estado com o maior número de ações judiciais na área da saúde, totalizando 865 novos processos. A cidade ficou atrás apenas da capital, Rio de Janeiro, e superou municípios muito mais populosos, como Niterói e São Gonçalo. As principais causas das ações judiciais são a busca por fornecimento de medicamentos, realização de cirurgias, marcação de exames especializados e internações em UTI/CTI.
Ineficiência da Central de Regulação
Números consolidados do período de 2016 a junho de 2025 revelam um sistema paralisado: a. De um total de 150.321 solicitações de exames, consultas e procedimentos, 75.032 (ou 50%) continuam pendentes. Apenas 6.406 solicitações (6,6% do total) foram efetivamente autorizadas, um número inferior ao de solicitações canceladas (8.047) ou devolvidas (8.725). A maior parte das pendências se concentra em casos classificados como “não urgentes” (29.448), que, com a demora, tendem a se agravar, aumentando a pressão sobre a já sobrecarregada rede hospitalar.
Alta ocupação hospitalar
O relatório quadrimestral do Hospital Municipal Raul Sertã apontou que a unidade opera sistematicamente acima do limite técnico de 85% de ocupação, colocando em risco a segurança assistencial: • Clínica Médica: média de 98,27%, com picos de 99,13%; • Clínica Médica 2: média de 92,68%; • Clínica Cirúrgica: chegou a 98,73%; • Unidade Coronária: média de 99,5%; • CTI (UTI): média de 98,1%, inviabilizando internações emergenciais.
O Correio Serrano entrou em contato com a Secretaria de Saúde de Nova Friburgo questionando os problemas apresentados pelo parlamentar no dossiê, mas não obtivemos retorno.