A Prefeitura de Petrópolis entrou com um recurso no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro pedindo a suspensão da decisão da 4ª Vara Cível do município, que determinou o bloqueio das contas municipais para o sequestro de cerca de R$ 45 milhões destinados ao pagamento de dívidas ligadas ao Serviço Social Autônomo Hospital Alcides Carneiro (Sehac). No recurso, o município afirma que está em meio a uma calamidade financeira e que a medida pode comprometer o funcionamento da máquina pública, afetando serviços essenciais. A Procuradoria também alega que o juiz extrapolou o objeto da ação, o que pode ser configurado como uma violação à autonomia administrativa do Executivo.
A decisão
O recurso é contra o bloqueio “teimosinha” de cerca de R$ 44,6 milhões das contas do governo municipal, que permite sequestros diários num período de 30 dias, conforme determinou o juiz Jorge Luiz Martins, da 4ª Vara, após pedido do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ). A solicitação atendeu à sustentação da promotora Vanessa Katz, do MPRJ, que alertou para o risco de paralisação dos serviços de saúde no município. Além disso, o magistrado nomeou o advogado Renato Walter Mattos para agir como administrador externo e independente para gerir as finanças do Sehac. O veredito passou a valer no dia 7 de novembro.
Pedido de suspensão
Frente à resolução, a Procuradoria destacou ao TJRJ a necessidade de suspender os efeitos da decisão proferida, ressaltando os efeitos negativos ao funcionamento das repartições públicas. […] “A urgência da suspensão é acentuada pela natureza das medidas constritivas impostas, que totalizam um sequestro de mais de quarenta e quatro milhões de reais, valor este que, em um Regime de Calamidade Financeira reconhecido pelo Decreto Municipal 144/2025, compromete a capacidade mínima de custeio de toda a máquina pública municipal, extrapolando em muito o objeto original da lide e violando a capacidade do Município de Petrópolis de manter a prestação de serviços públicos essenciais em todas as áreas, resultando em um inevitável colapso sistêmico” […], trecho do recurso.
Também foi exposto que tal medida afeta diretamente a autonomia do Poder Executivo, que, segundo a Procuradoria, implica em danos irreversíveis à gestão municipal, à execução do orçamento e à prestação de serviços públicos essenciais a toda a coletividade.
Em relação à intervenção, o município sustenta que os limites constitucionais e as regras de direito administrativo devem ser observados. […] “Sobretudo no que tange à execução de despesas que não estão diretamente ligadas ao custeio da saúde, como as dívidas não abrangidas pelo objeto inicial da lide” […], ressalta a Procuradoria. Ainda no tópico, é alegado que o juízo não delineou as atribuições e os limites de atuação do administrador externo. “Deixando a gestão à mercê de interpretações vagas e sem um plano de trabalho claro”, indagam.
A Procuradoria destacou que o Judiciário não pode simplesmente assumir o papel de gestor da unidade, enfatizando que, apesar de a mesma ter parte administrada pelo poder público, ela tem natureza privada, salientando que a transferência do montante bloqueado diretamente do Tesouro Municipal para o Sehac corre o risco de violar a legalidade orçamentária e a separação de Poderes.
Sustentação
A Procuradoria diz ao juízo que, se a concessão do efeito suspensivo for aceita, serão impedidas algumas medidas que iriam prejudicar a continuidade dos serviços públicos:
1. Seja efetivada a intervenção judicial no Sehac e a atuação do Administrador Judicial, sem a devida e legal delimitação de suas atribuições e poderes;
2. Seja efetuado o sequestro de R$ 19.646.721,58 das contas municipais;
3. Seja efetuado o sequestro de R$ 24.971.000,00 das contas municipais;
4. Sejam devolvidos aos cofres do Município de Petrópolis os valores já arrecadados em razão do sequestro determinado, para fins de aplicação em conformidade com as prioridades existentes.
Dívida herdada
A pendência financeira do município com o Sehac vem desde 2019. Na época, o montante era de mais de R$ 39 milhões. O valor continuou crescendo: em 2020 passou para aproximadamente R$ 44 milhões; em 2021 foi para R$ 45 milhões; em 2022 chegou a quase R$ 54 milhões. Já em 2023 caiu para R$ 5 milhões e aumentou em 2024, registrando R$ 17 milhões.
A situação já discutida em audiência gera diversas dificuldades para a unidade. Representantes do Sehac sinalizaram carência de insumos básicos e medicamentos, redução de proteínas na alimentação, além da suspensão e reagendamento de cirurgias. Segundo o panorama, a situação tem afetado diretamente pacientes oncológicos e as cirurgias gerais, especialmente de vesícula e urologia, que representam a maior demanda.
O cenário descrito já aconteceu ainda este ano. Em outra audiência, realizada em setembro, a diretora do Hospital Alcides Carneiro, Ronye de Lourdes Pinheiro, mencionou que, em abril deste ano, houve uma paralisação de dois dias no serviço de cirurgia de urologia.
Na última audiência que desencadeou a determinação do bloqueio e intervenção, o MPRJ disse que o débito do Sehac com fornecedores e colaboradores se aproxima de R$ 24,9 milhões e salientou que o município não repassou os valores da folha de pagamento de novembro nem os recursos de custeio, que são utilizados para pagar médicos, serviços de limpeza, radiologia e outros setores essenciais do hospital.