No Dia Nacional do Diabetes, celebrado em 26 de junho, a geriatra, médica de família e comunidade Inoã Viana detalha os impactos do envelhecimento no surgimento da doença, os riscos do diagnóstico tardio e a importância de abordagens multidisciplinares para preservar a autonomia dos idosos
O diabetes mellitus tipo 2 é uma das doenças crônicas mais frequentes entre os brasileiros, e seu impacto tende a ser ainda mais significativo na terceira idade. O envelhecimento do organismo favorece o surgimento da doença por meio de uma série de alterações fisiológicas que comprometem a produção e a ação da insulina, como a redução da função pancreática, o aumento da resistência insulínica e a presença de múltiplas comorbidades. “Essas condições tornam os idosos particularmente suscetíveis às complicações do diabetes, tanto as agudas quanto as crônicas, e impõem a necessidade de um cuidado contínuo e individualizado”, afirma a médica de família e comunidade Inoã Viana, especialista em geriatria.
Com a progressiva elevação da expectativa de vida no Brasil, doenças crônicas não transmissíveis como o diabetes tornam-se cada vez mais prevalentes. Segundo dados do Censo de 2022, cerca de 10,2% da população nacional refere diagnóstico da doença, o que representa aproximadamente 20 milhões de brasileiros. No entanto, apesar da magnitude do problema, os dados epidemiológicos específicos sobre a população idosa ainda são escassos e fragmentados, dificultando a formulação de políticas públicas eficazes. “A maioria dos estudos não diferencia os resultados por faixa etária e as variações regionais tornam a análise ainda mais complexa”, observa Inoã.
Entre os idosos, o diabetes pode surgir de forma silenciosa, com sintomas muitas vezes atribuídos ao próprio envelhecimento. Mal-estar persistente, perda de peso não intencional, aumento da diurese e cansaço são sinais de alerta que, se não forem valorizados, podem retardar o diagnóstico e comprometer o prognóstico. “O olhar clínico atento é indispensável. Quando não diagnosticado a tempo, o diabetes pode evoluir com complicações como quedas, infecções, internações recorrentes, amputações e declínio cognitivo importante”, pontua a médica.
Além do diagnóstico tardio, há também o desafio de adaptar o tratamento em pessoas que já convivem com o diabetes na fase adulta e que envelhecem com a doença. O uso de medicamentos deve ser reavaliado com cautela, especialmente pela maior propensão às hipoglicemias, que representam um risco elevado para essa faixa etária. “A hipoglicemia em idosos está relacionada ao aumento de eventos cardiovasculares, como arritmias e isquemia, além de ser um fator de risco importante para alterações cognitivas e quadros demenciais. O medo desses episódios, inclusive, é um dos principais obstáculos à intensificação do tratamento e ao uso de insulina”, explica Inoã.
No manejo clínico, é fundamental considerar a presença de sarcopenia (perda de massa muscular), fragilidade física e alterações cognitivas. Um estudo multicêntrico com idosos diabéticos, todos acima dos 70 anos, demonstrou que intervenções compostas por exercícios resistidos três vezes por semana, aliados a uma dieta com ajuste calórico e proteico, resultaram em melhora significativa no desempenho físico. “Esses achados reforçam que a atividade física supervisionada, somada à alimentação adequada, são pilares fundamentais para o controle glicêmico e para a preservação da funcionalidade”, destaca a especialista.
O uso de múltiplos medicamentos — comum entre idosos — também exige atenção redobrada. Ainda que as diretrizes para o tratamento farmacológico sejam semelhantes às utilizadas em adultos mais jovens, a presença de outras doenças crônicas, o risco de interações medicamentosas e a variabilidade de resposta ao tratamento impõem uma abordagem cuidadosa e personalizada. “Muitos pacientes apresentam alterações cognitivas já estabelecidas e têm dificuldade de seguir corretamente o regime terapêutico. Isso aumenta o risco de descompensações e agravos à saúde”, salienta.
Quando o diabetes é diagnosticado na velhice, o quadro pode variar bastante em gravidade, dependendo das condições gerais de saúde do paciente. Idosos com histórico de doenças mal controladas tendem a apresentar maior dificuldade no manejo da glicemia e mais complicações. Além das manifestações físicas, há maior propensão à depressão e ao isolamento social, fatores que impactam negativamente a adesão ao tratamento. “O diabetes mal controlado compromete a autonomia, a mobilidade e a qualidade de vida. Isso acarreta um ciclo de fragilidade progressiva que pode ser evitado com medidas preventivas e diagnóstico precoce”, afirma Inoã.
A prevenção ainda é o melhor caminho. Pessoas com histórico familiar da doença devem adotar, desde cedo, hábitos saudáveis como alimentação equilibrada e prática regular de exercícios físicos. Para os idosos, exames laboratoriais simples, como a dosagem de glicemia e hemoglobina glicada, devem fazer parte do acompanhamento de rotina. “São exames acessíveis, que ajudam tanto no diagnóstico quanto na monitorização da eficácia do tratamento”, observa a médica.
No contexto do Dia Nacional do Diabetes, Inoã chama atenção para o papel essencial dos cuidadores e familiares no cuidado com o idoso diabético. “Eles são aliados fundamentais no estímulo à alimentação adequada, à prática de exercícios e na administração correta dos medicamentos. Também precisam estar atentos a mudanças no comportamento, sinais de hipoglicemia e intercorrências clínicas”, destaca.
A médica reforça que o cuidado com o diabetes na terceira idade deve ir além do controle de números em exames: trata-se da preservação da dignidade, da autonomia e da capacidade funcional de uma população que cresce a cada ano. “É possível envelhecer bem mesmo com a doença, desde que haja acompanhamento, adaptação e, acima de tudo, acolhimento”, conclui.
Foto: © Marcelo Camargo/Agência Brasil