Ferramenta contra racismo religioso é implantada em Petrópolis
Por Leandra Lima
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […] é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias […]” – Essas palavras descritas no artigo 5° da Constituição Federal, deveriam ser levadas ao pé da letra, porém, a realidade mostra que não passam de uma utopia social, principalmente para praticantes das religiões de matriz-africanas, que sofrem com a perseguição e o preconceito religioso.
Os reflexos desse preconceito são concretizados no crime de racismo religioso. No Brasil, de acordo com a cartilha de enfrentamento do crime, organizada pelo Governo Federal, a prática acontece principalmente contra os Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e de Terreiro (POTMAs). “Embora existam pessoas de diferentes raças e cores adeptas às religiões de matriz africana, a violência tem relação direta com os territórios sagrados, tradições, símbolos, religiosidade, memória e ancestralidade das culturas afro-brasileiras”, trecho da cartilha.
Num balanço realizado pelo Disque Direitos Humanos, os estados que registram maiores números de casos foram São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Indo conforme os dados, o relatório da Unesco, lançado em 2023 acompanhou os casos de racismo e intolerância religiosa em todo o Estado do Rio nos últimos anos, e verificou que houve uma crescente. Segundo o estudo, durante o ano de 2021, as cidades de Petrópolis, Nova Friburgo e Teresópolis registraram ataques em terreiros e igrejas, tendo como justificativa a diferença dos dogmas pregados nos locais em parâmetro com a própria crença.
Entre as violências cometidas, as mais usuais foram depredação de estátuas ou imagens, insultos, injúria racial, agressões físicas e difamação. Um levantamento inédito do Instituto de Segurança Pública (ISP) mostra que em 2023, no estado, 34 vítimas de ultraje a culto religioso procuraram uma delegacia de polícia para registrar o crime. A tipificação criminal é determinada pela ridicularização pública, impedimento ou perturbação de cerimônia religiosa.
Insegurança e luta
Na ótica da “Cidade Imperial”, esses grupos se sentem inseguros e buscam políticas públicas para o enfrentamento da intolerância no município, e comemoram a sanção da Lei 9.045/2025, que inclui a Caminhada contra Intolerância e o Racismo Religioso, organizado pelo Coletivo do Povo do Santo, no calendário oficial de eventos da cidade. “Petrópolis é a cidade com mais casos de racismo, você sair do terreiro de madrugada, esperar no ponto de ônibus vestido de branco é um perigo. A ideia da construção do projeto de lei coletivamente, surgiu exatamente da necessidade que eu e diversos outros irmãos e irmãs umbandistas, candomblecistas, tenham de ter visibilidade, principalmente, de ter a segurança resguardada ao caminhar pelo solo petropolitano” expressou Guilherme Freitas Gomes, professor de história e integrante do coletivo.
Conscientização
A lei foi construída junto a mandata da vereadora professora Lívia (PCdoB), que oficializa, no calendário oficial de eventos do município, a Caminhada contra as Intolerâncias e o Racismo Religioso. A caminhada será realizada anualmente em data definida pelo próprio coletivo, em conjunto com a Prefeitura. O evento tem como objetivo principal promover a conscientização sobre o respeito às diversas manifestações religiosas e culturais, combater a intolerância religiosa e o racismo e valorizar as tradições afro-ameríndias presentes na cidade.
Segundo a parlamentar, o objetivo do PL é que funcione como um instrumento para dar visibilidade e fomentar mais políticas públicas voltadas para o grupo. “Com isso daremos visibilidade a vários terreiros e a toda liberdade religiosa. Esse é o maior princípio. Não é necessariamente a defesa de uma crença, de uma religião, mas entendendo que as pessoas devem, podem manifestar a sua expressão de fé sem sofrer qualquer tipo de perseguição” disse.
Representatividade
Pedro Nogueira conhecido como ‘Pai Pedro’, sacerdote afro-religioso, pesquisador na área de ciências da religião e diálogo religioso, integrante do Coletivo Povo do Santo, enfatizou a importância da lei, destacando a liberdade de expressão. “O PL, nasce da necessidade de liberdade religiosa. Todo o movimento do coletivo do povo santo é em direção a uma sociedade menos desigual e mais justa. A lei nasce nessa direção. E, felizmente, foi assinada há pouco tempo. Acredito que, com isso, o povo de santo, o povo de Axé, consiga realizar as suas caminhadas com maior liberdade e segurança”, indagou.
Nesse contexto é bom manter o respeito, a luta por igualdade e liberdade descreve a Caminhada que ressoa a fala de Nelson Mandela – “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, sua origem, ou por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender e, se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar”.
Fotos: Evaldo Macedo Fotos