Favela é potência e lugar de cultivo de sonhos. Essa é uma das afirmações reforçadas pelo Data Favela em conjunto da Central Única de Favelas (Cufa) e Favela Holding ao realizar a maior pesquisa dos territórios periféricos, ribeirinhos e quilombolas, que aconteceu em todo o Brasil no início de julho de 2025. Visibilidade e amplificação de vozes é um dos objetivos do mapeamento, que quebra os estigmas criados ao redor da palavra, vinda de raízes preconceituosas e discriminatórias, que se manifestam na precarização dos serviços básicos e na falta de incentivos dentro dessas comunidades.
O levantamento forma uma base de dados sobre a qualidade de vida, infraestrutura, estrutura, família, cultura e planos para o futuro dos moradores. Além de ser uma porta para se pensar em políticas públicas eficazes que alcancem de fato a favela. Os resultados serão disponibilizados nesta sexta-feira (18). Os movimentos consideram o feito histórico justamente por dar voz e mostrar os sonhos daqueles que são constantemente invisibilizados por um sistema que escolhe quando deve intervir, sem considerar a riqueza e as necessidades dessas regiões.
Roberta Silva, moradora do Neylor, localizada em Petrópolis, ativista social, representante da Cufa em solo petropolitano, destacou que a iniciativa é uma consequência do “Favela no Mapa”, construído pelo Data e Cufa que demarcou as regiões. Porém agora é para mostrar o que tem dentro das favelas e qual é a forma que eles buscam para empreender, reafirmando o protagonismo dos favelados.
Império X realidade
A pesquisa que vem percorrendo todo o Estado do Rio de Janeiro, contemplou Petrópolis, e foi considerada uma conquista e uma forma de tirar as vendas dos que só enxergam as fantasias de uma “Cidade Imperial” inventada para poucos, lá em 1843.
“É muito fácil falar do centro histórico. Mas não vemos ninguém falando das favelas ou comunidades, como muitas pessoas dizem e referem. Para mim, é favela, porque se parar para olhar, é a mesma coisa das favelas do Rio, passamos pelas mesmas dificuldades e situações, só muda o jeito de falar. Então, é importante sim mostrar que dentro de Petrópolis tem favela, que têm um universo que muitas vezes é maquiado. Precisamos mostrar para eles que aqui dentro também tem potência, sonhos e gente que quer empreender”, expressou.
Roberta contou que atuando como voluntária, já visitou 48 territórios periféricos do município em dois anos. Nessas caminhadas ouviu relatos de moradores que projetam um futuro melhor e possibilidades de empreender. “Nesse tempo, vi muita gente que sonha, que quer empreender, que busca melhorias dos territórios delas e não alcançam por serem pequenos, porque às vezes não são ouvidos. Tem muita gente que tem o próprio empreendimento e que luta que batalha para poder crescer, mas não tem condição de ter uma loja no centro” disse.
Bárbara Germano, também moradora do Neylor voluntária da Cufa e atuante na pesquisa, fala das dificuldades de empreender dentro da comunidade. “Como empreendedora, passo um pouco de sufoco, para poder começar tudo do zero, sem ajuda. E a minha realidade é a maioria do pessoal, porque a gente tenta começar sozinho, só que precisa ter um incentivo para que possamos levar nosso trabalho para o asfalto. Porque ninguém vem consumir dentro da favela pelo preconceito, por achar que vai ser assaltado, que tem tráfico e polícia entrando toda hora. É complicado”, informou.
Importância
Justamente por esse cenário o levantamento do Data Favela se faz tão importante. Para Aisha Silva, voluntária da Cufa atuante na pesquisa, ressaltou que essa foi de fato a primeira vez que a favela se sentiu ouvida. “Fomos 11 voluntários, preparados pela Cufa para estar percorrendo essas comunidades. A minha experiência foi incrível. Senti as pessoas sendo ouvidas, e a importância disso. Teve um entrevistado que me chamou muita atenção. Ele falou que se sentiu importante pela primeira vez, pois conseguiu colocar as demandas”, disse.
Conhecer as pessoas de fato, a realidade delas é o que difere a pesquisa de muitas outras. “Conhecer os moradores é o mais impactante, porque a gente olha assim de fora, não acha que tem tanta necessidade, igual as pessoas respondem no questionário. Nesse quesito, a pesquisa foi essencial para realmente entendermos o que tem de demanda na cidade de Petrópolis e tirar essa maquiagem da cidade imperial mostrando realmente o lado da favela”, contou.
Cultivo de Sonhos
Os sonhos não têm barreiras, e dentro das favelas eles se unem em um só, quase uma tradução literal da música País do Futebol do MC Guime / Victor Reis / Emicida / Dash / Dh, que descreve o sonho dos meninos – Lucas Miguel, João Miguel e Marcos Suel de 10, 11 e 12 anos de idade, moradores do Neylor em serem jogadores de futebol. “Entre house de boy, beco e vielas, jogando bola dentro da favela, pro menor não tem coisa melhor e a menina que sonha em ser uma atriz de novela- música”, trecho da música.
E assim, a partir do mapeamento é esperado que todos possam olhar para esses territórios como merecem, dando mais público e privado. “Dentro da favela tem conhecimento, e não tem só marginal”, finalizou Roberta Silva.