Angelica escreve sobre a própria escrevivência, o cotidiano que a envolve
Determinação e persistência são uma das características que impulsionam o sonho, um instinto natural do ser humano, desde criança ele é cultivado em cada indivíduo, para que um dia seja maturado e se torne realidade. Nem sempre é fácil o processo, e haverá barreiras imensas antes do objetivo. Porém também existem pessoas e oportunidades que usam um pó mágico e transformam esses obstáculos em trampolim para a vitória. Essa alusão, cai como uma luva para Angelica Paes, escritora, que através das obras literárias fundou a própria Editora, nomeada ‘Brapaes’.
A Brapaes surgiu como um projeto de conclusão de curso, o famoso TCC, de marketing e comunicação. Angelica tinha que ter montado algo relacionado a audiovisual, arte e então pensou no sonho de criar uma editora para fomentar a escrita própria e a de outros escritores independentes. Dessa maneira a escritora que também é atriz em conjunto com a amiga Alane Moraes, sócia da casa, montaram a ideia que hoje é realidade. “Quando apresentamos esse projeto na faculdade, o professor aprovou. Só que ele queria saber onde encontrava essa editora, pois muita gente ia querer se filiar. Falei que não tinha, que era só o protótipo, ainda indaguei quem sabe, é um sonho. Onde ele falou – então, se é um sonho, tem que existir -. Fundamos e no dia 19 de julho, realizamos o primeiro evento no Centro de Cultura Raul de Leoni”, contou.
O objetivo da instituição é dar voz a escritores independentes e sonhadores, abraçando a diversidade, inclusão e inspirações. A editora vai estar com um stand na Bienal de São Paulo de 2025. E outro na Feira Literária de Conservatória, em setembro.
Filiados
A Brapaes já tem seis escritores filiados, incluindo Angelica. Alguns nomes são: Márcio Lira Freire, Sandra Brito e Paula Bispo. A instituição trabalha em campo virtual e os escritores que desejam fazer parte podem entrar em contato por meio do Instagram – @Brapaes -.
Primeiro lançamento
O primeiro lançamento, foi o livro “Enfim! Chegou o dia! Eu me achei?”, de autoria de Angelica Paes. O livro fala sobre abuso e obediência, onde uma menina, relata a convivência com pais que ditam uma regra pra ela, mas com o tempo passa a ditar as próprias. Porém, ela entra em um relacionamento no qual o parceiro não à respeita. “Quando uma mulher fala não é não, o homem não pode violar o direito dela. E o direito de Elisa foi violado nessa história”, explica a autora.
Materialização
“Nunca desista dos sonhos” … essa frase é a materialização da trajetória de Angelica, que também é a face da própria escrita. Ela, uma mulher negra, começou a escrever poesias aos 9 anos de idade. Lia os versos para os colegas de classe sempre que tinha uma nova criação.
Porém por possuir o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDH) e distúrbio de aprendizado conhecido como ‘dislexia’, escrevia as coisas ao contrário e não conseguia focar, então todo mundo começou a perceber esses episódios que se mostravam em algumas matérias na escola, para ela o mais difícil era o português. “Tinha muito medo de escrever na sala porque saia errado, mas eu amava as poesias e a escrita”, revelou a artista.
Na sua jornada escolar alguns educadores a viam como uma pessoa que não seria algo na vida, não alcançaria o ‘sucesso’. A escritora que nasceu no Rio de Janeiro, mas que atualmente mora em Petrópolis, já publicou 10 livros. E transforma a jornada uma ferramenta de inspiração para jovens.
A autora lançou o primeiro livro em 2018, chamado o “Dia em Forma de Poesia”, nele estão todas as poesias que escreveu aos nove anos. Depois do primeiro, os outros vieram e trouxeram grandes frutos. Em 2019 através da obra “A Menina Solitária”, ganhou o Prêmio Talento Helvético-Brasileiro no Salão do Livro de Genebra, na Suíça. Outro destaque está no livro “As Periféricas” que foi parar na Academia de Artes Independente de Boston, nos Estados Unidos, onde ganhou prêmio pela obra e tomou posse na academia.
A literária também tomou posse na Academia de Letras de Garanhuns, em Pernambuco, no dia 5 de dezembro de 2023. E agora se prepara para receber uma cadeira na Academia de Letras de Minas Gerais.
Um dos livros da artista que resume a força dos sonhos, é a “A Magia dos Sonhos”, onde retrata a história de uma menina que andava para todos os lugares vendendo trufas de chocolate, para concretizar seu sonho de lançar um livro fora do país. “Ela vende bombons, igual a mim (Angélica), que também vendia. Nele a menina diz que vai vender bombons construir uma varinha mágica e pra todo lugar que chegar vai falar do seu livro que chegaria em outro país. Nele as pessoas questionam ‘vai pra fora? Mas você vai pra onde menina? Me diga o intuito da venda da trufa, e ela responde – o intuito é que eu vou levar meu livro pra fora do país! Ela concretiza seu sonho assim como a minha realidade”, indagou a escritora.
A artista traz para as obras a importância de sonhar e nunca desistir, além de promover uma reflexão sobre problemas sociais que permeiam o cotidiano das pessoas, como o racismo, o preconceito e a depressão. “Todos os meus livros falam de não desistir do sonho, sempre coloco, insista, persista, invista, conquiste, mas nunca desista dos seus sonhos! Falo de igualdade também, para que as pessoas largarem de vez o preconceito, chega de um lado negro e do outro branco, vamos viver igualdade. Chega de negro você não pode, pode sim e deve ser o que quiser! É preciso dar um basta no preconceito contra o TDAH, não somos retardados”, reforçou.
Referencias
As referências da literária são potentes como ela. Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo fazem parte da veracidade que a mesma coloca na escrita. As características em comum são a valorização da palavra dita, sem respeitar a métrica da língua portuguesa. Para Carolina, a escrita era uma forma de expressar aquilo que gostaria de falar para um confidente. Ela narrava os dias com detalhes, destacava como era viver em uma comunidade, falava de política, fome e outros assuntos que permeiam a sociedade atual. Seu recorte é o retrato de um Brasil desigual.
Já Conceição fala que é preciso ter respeito à palavra dita, pois é uma forma de resistência e de manutenção da singularidade dos indivíduos. “A norma culta não é a única, existem diferenciações, as pessoas são múltiplas e possuem vivências diferentes. A palavra dita é o corpo presente, o jeito que se fala carrega memórias e histórias, e isso é o cotidiano. A riqueza da linguagem é marcada pela oralidade”, ressaltou Evaristo em entrevista ao Correio Petropolitano, durante o evento da Flipetrópolis em 2024.
Nessa construção, Conceição Evaristo criou o termo “escrevivência”, uma conexão das palavras escrever e vivência. Que une a vivência e escrita de outras mulheres negras, que hoje escrevem suas próprias histórias. “A escrevivência carrega essa potencialidade de ser uma narrativa que explicita não só a voz do sujeito narrador, mas sim as vozes de todas nós”, disse, Conceição.