João Perassolo – Folha Press
Os modelos de Lino Villaventura parecem ter saído de um mundo encantado ou de um conto de fadas. Na apresentação de sua coleção primavera-verão nesta sexta-feira (18), no terceiro dia de São Paulo Fashion Week, a passarela foi tomada por elfas e vikings.
O que se viu é uma moda opulenta montada à mão, como se fossem peças a serem expostas em um museu. Elas usavam vestidos cremes semitransparentes estruturados com arame ou vestidos pretos com discretas padronagens geométricas em contorno branco. Eles usavam capas pretas e capas vermelhas de cauda longa.

Havia também peças mais ousadas, com recortes que deixavam o bumbum dos homens à mostra, e vestidos femininos com sobreposições de jacquard estampado, como se fossem de montar. Nos pés, os homens calçavam sandálias tipo gladiadores e as mulheres, saltos altos com ornamentos nos tornozelos.
Num fato raro, os modelos foram aplaudidos enquanto desfilavam. Além das palmas, o único som que se ouvia era o do bater dos sapatos no chão, porque a música caiu no meio do desfile e a sala ficou em silêncio. A apresentação aconteceu numa laje corporativa ainda em obras que vai sediar um dos patrocinadores da semana de moda.

Mais tarde, foi a vez da marca curitibana Rocio Canvas, conhecida por suas modelagens, desfilar no galpão da Mooca que sedia parte da São Paulo Fashion Week. A oposição entre o rígido e o fluido é a tônica da coleção outono-inverno 2023, apresentada nesta sexta.
“Na roupa, falo de coisas que observei e acredito. Como olho para a forma, as cores, o exercício de tirar a beleza do inusitado. Torcer os problemas e transformar em arte, estranheza, diferenciação”, afirma Diego Malicheski, o diretor criativo da marca, sobre as novas peças.
Seu vestuário é sóbrio no geral, valendo-se de uma paleta de pretos, brancos, marrons e azuis sólidos. Quando há mais cor, como nas estampas estonadas do diretor de arte Guilherme Queiroz, a discrição impera.
Os vestidos e tops têm recortes e franjas longas que balançam no caminhar e deixam entrever o corpo. O estilista colocou alguns modelos masculinos na passarela, para mostrar que homens também podem adotar o vestuário feminino.
Tão importante quanto as roupas, neste desfile, foram os acessórios. Além das maxi bolsas pretas e brancas, os colares e brincos gigantes criados pelo designer de acessórios Carlos Penna roubaram a cena.
Como a proporção das joias é exagerada, elas funcionam mais como esculturas que emolduram o rosto e das quais é impossível desviar o olhar, a exemplo de um par de brincos em formato de flor.
Os motivos da natureza seguiram presentes no próximo desfile, o da marca baiana Ateliê Mão de Mãe, especializada em vestuário de crochê. A coleção foi batizada de “Abre Caminho”, em referência à planta de mesmo nome.
“Cada cor foi pensada para emanar boas vibrações e um desejo de união para o momento em que estamos vivendo. Abrir um caminho para a paz é criar um novo mundo”, diz a marca sobre a nova temporada.
Do discurso à técnica têxtil, tudo poderia ser cafona, mas é exatamente o oposto -os vestidos de crochê em rosa e laranja têm um ar fresco, moderno, assim como os maiôs e biquínis. O mesmo vale para as bermudas e regatas masculinas crochetadas.
Nada nesta etiqueta surgida na pandemia e que já ocupa a maior sala de desfiles da São Paulo Fashion Week lembra roupa de vó ou, como diz seu nome, algo costurado pela mãe, embora certamente esta coleção tenha sido tecida com muito esmero por mulheres com experiência de vida e habilidades para com as agulhas.
Na sexta estava ainda previsto o desfile de celebração de 50 anos da Ellus, com modelos desfilando peças-chave do guarda-roupas da marca retrabalhadas.
“A moda hoje está muito em sintonia com toda a linguagem da Ellus. A Ellus é uma marca jeanswear, urbana, da metrópole, e os nossos códigos hoje estão muito fortes na moda mundial, nas marcas de fora”, afirma Adriana Bozon, diretora criativa da marca.
Criada em 1972 por Nelson Alvarenga e conhecida por seu vestuário em jeans e pelas botas e coturnos, a Ellus ajudou a definir a identidade da moda jovem no Brasil nas décadas seguintes, tornando suas peças desejáveis e exercendo influência sobre o mercado. Hoje, 60% do público da grife tem entre 18 e 35 anos.
O imaginário da marca foi construído com campanhas marcantes -a exemplo de um comercial de TV na virada para os anos 1980, ainda durante a ditadura, que mostrava um casal se despindo embaixo d’água-, e com a presença de top models, como quando Kate Moss desfilou para a grife na São Paulo Fashion Week nos anos 1990.
A marca teve um boom naquela década, junto com outras grifes que faziam parte da mesma esfera, como Zoomp e Triton. Estas acabaram sumindo com o tempo e tiveram tentativas de volta frustradas, mas a Ellus sobreviveu.
Para Bozon, “o segredo da longevidade é seguir uma identidade tanto de conceito, de branding, quanto de produto”.
A 54ª edição da São Paulo Fashion Week vai até domingo, totalizando 48 desfiles, 43 dos quais presenciais. Esta é a primeira vez na qual foi possível comprar ingresso para ver as apresentações, e o comentário nos corredores do evento é que isso trouxe um público novo a um universo antes restrito a fashionistas.
Antes de cada desfile -que têm atrasado entre 30 minutos e uma hora- a passarela fica cheia de influenciadores e celebridades mais ou menos conhecidas posando para fotos. Todos querem divulgar suas arrobas, todos estão atrás de seus 15 segundos de fama nos stories do Instagram, e a principal arma dos frequentadores é montar o visual mais absurdo possível.